terça-feira, 5 de novembro de 2019

Homenagem ao escritor Abílio de Barros

Na segunda-feira, 28/10, a tristeza tomou conta da nossa Academia Sul-Mato-Grossense de Letras. O confrade Abílio de Barros partiu para o plano eterno. Ficaram lembranças de bons momentos de amizade e aprendizagem, como nessa foto há dez anos...e a minha crônica-homenagem na sua posse em 2003 para a Cadeira 32 (quando lhe 'dei' a Lua de presente).

Uma Lua para Abílio de Barros
(José Pedro Frazão)

O espaço livre aos fundos da sede da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, outrora baldio, mas depois transformado em recinto helênico e aconchegante, por obra e magia do novo Presidente Francisco Leal de Queiroz, viveu seu momento de glória. Foi ali, na plenilúnica noite de sete de novembro findo, que o sodalício deu posse ao acadêmico Abílio Leite de Barros, admirável lente do magistério universitário, pecuarista e exímio escritor corumbaense (autor de “Gente Pantaneira: crônicas de sua história”, entre outros) que, além de sua iluminada grandeza, tem a sobreeminência de ser irmão do já consagrado maior poeta brasileiro da atualidade, Manoel de Barros.
Enfim aconteceu a tão esperada festa, infinitas vezes protelada pela própria timidez do diplomando, cuja aversão à notoriedade se atribui a “doença de família” (o irmão Manoel se confessa, feito caramujo, avesso à imortalidade literária). Esta valiosa aquisição eleva sobremaneira a nossa augusta Casa de Letras e honorifica a Cadeira de número 32, tão dignificada pelo patrono Weimar Torres e pelos seus dois únicos e anteriores ocupantes: Aldo Queirós e Eduardo Machado Metelo.
O orador da noite, o não menos ilustre desembargador Heliophar de Almeida Serra (irmão do fundador da Academia, saudoso Ulisses Serra do “Camalotes e Guavirais”), ao saudar magistralmente o homenageado, trocou olhares confidentes com Artêmis, que nos espreitava do céu aberto, e anunciou, de intróito: “Até a lua, que não foi convidada, já chegou”. Naquele instante, a Musa dos Poetas, que já se derramava lânguida sobre o modesto “Academus” da Rui Barbosa, não se conteve em sua órbita de emoção e veio debruçar-se nas cercanias da solenidade, arrebatando-nos a todos, com sua irradiante e sensual beleza, visivelmente enamorada. Até que a fala calma e erudita do novo imortal nos levou por uma viagem de profunda reflexão, orbitando da Grécia antiga ao mundo atual de pouca melhoria humana. A plateia em transe flutuava doirada de lua e celebridades, pois dela já fazia parte a irmã de Apolo, que se encostara ao muro da academia, de onde emanava mais forte seus raios e degustava conosco as lições de Abílio desfilando Platão, Sócrates, Marx, Freud e outras grandezas da ciência, religião, política, filosofia, literatura e suspiros poéticos.
No auge da festa, inebriado pelo esplendor de Artêmis e com a íntima permissão de Baco, que reinava em nosso coquetel, aproximei-me da bela intrusa para cortejá-la antes que se evolasse no céu campo-grandense. Só então percebi, triste e enciumado, que naquela noite, véspera de seu eclipse, a deusa do crepúsculo já tinha escolhido um imortal para a sua lua-de-mel. O lascivo astro dourado descera para unir seu fulgor ao da Estrela Abílica, que se alinhara, naquele instante, à constelação acadêmica.
Foi assim, sob o luar, que a Academia imortalizou um Barros. Foi assim que Abílio ganhou uma Cadeira que ganhou Abílio que ganhou uma Lua.


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